segunda-feira, 7 de abril de 2008

Cota para conteúdo divide mercado; da GM

Da Gazeta Mercantil...
São Paulo, SP - segunda-feira, 07 de abril de 2008

Brasília e São Paulo, 7 de Abril de 2008 - Na semana passada, representantes de produtoras nacionais independentes estiveram em Brasília para um encontro com o deputado Jorge Bittar (PT/RJ). Na ocasião, entregaram ao parlamentar um abaixo-assinado a favor do projeto de lei 29/07, que , entre outras questões, estipula cotas de exibição de conteúdo nacional independente na TV paga - ele versa também sobre a entrada das teles nesse mercado (veja mais nesta página). O episódio foi o estopim que faltava para reacender a polêmica no mercado de TV e explicitar um jogo de forças que envolve grupos e entidades do setor de comunicação. Nessa queda de braço, estão de um lado a Associação Brasileira de TV por Assinatura (ABTA) e Organizações Globo, e de outro a Associação Brasileira de Produtores Independentes (ABPITV), Band, Grupo Abril e TV Cultura, controladoras de canais pagos. As companhias telefônicas, que desejam ingressar no mercado de TV por assinatura, defendem a iniciativa. Com as peças dispostas no tabuleiro, cada lado apresenta suas armas. O projeto será colocado na pauta da Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara na quarta-feira e poderá ser votado ainda neste mês. "O projeto é moderno. Não é voltado para essa ou aquela tecnologia. Vale para todos os serviços de distribuição de conteúdo, inclusive para celular", comenta Jorge Bittar, relator da matéria na Comissão de Ciência e Tecnologia. Aprovado nessa comissão, o projeto será analisado pelos integrantes da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Se houver entendimento em relação ao tema, ele seguirá diretamente para o Senado. Um dos principais objetivos da proposta é incentivar a produção nacional independente de conteúdo audiovisual. Para tanto, cria dois tipos de cotas e garante recursos para o financiamento das empresas interessadas. O fomento será por meio do Fundo Setorial do Audiovisual, que receberá R$ 500 milhões por ano. Os recursos iriam para o Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel). Dessa maneira, explicou o parlamentar, haverá garantias de que os espaços criados serão preenchidos pelos produtores nacionais independentes. O projeto estabelece os conceitos de produção nacional, produção independente, canais qualificados e canais BR. Produção nacional é o programa dirigido, feito por uma empresa e com mais de dois terços de técnicos e artistas brasileiros. Produção independente brasileira é aquela feita por empresas não ligadas a radiodifusores nacionais ou programadores estrangeiros. Os canais qualificados são os que transmitem, por exemplo, programas de auditório, debates, cultura filmes, desenhos animados ou documentários. Jornalísticos, esportivos, televendas não são considerados conteúdos qualificados. Já os canais BR, os quais devem ser 25% do total, devem ser propriedades de brasileiros, passar pelo menos 8 horas por dia de programas nacionais e ter 40% de conteúdo qualificado em horário nobre. Desse percentual, metade deve ser produção independente doméstica. Além disso, um único grupo não pode controlar 70% dos canais BR de uma mesma TV paga. A medida reduzirá o risco de concentração do mercado. Está previsto também outro tipo de cota. Nos canais qualificados, como HBO ou Discovery, 10% do conteúdo do horário nobre deve ser nacional. Metade disso, ou seja, 5% do total, terá de ser de produtores independentes brasileiros. A Agência Nacional do Cinema (Ancine) regulamentará e fiscalizará esse segmento. Definirá, por exemplo, qual período será considerado horário nobre. A idéia de Bittar é que seja entre 18h e 23h. A questão da distribuição continuará a ser responsabilidade da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Uma das principais vozes contrárias ao PL 29, o presidente-executivo da ABTA, Alexandre Annenberg, observa que o projeto surgiu como uma tentativa de definir um novo marco regulatório na convergência entre as teles, a produção audiovisual e a TV por assinatura. "Trata-se de uma síntese de vários projetos que estavam no Congresso. Acontece que foram introduzidas diferentes questões no projeto, entre elas uma sobre as cotas de produção independente". "A imposição de cotas é absurda. Com ela, a Ancine se torna uma agência reguladora, pois decidirá sobre a qualidade do que será exibido ou não", diz. "Isso descaracteriza a TV paga, uma vez que o consumidor vai pagar por uma programação ou canais sobre os quais não tem interesse. Em alguns casos, até mesmo com uma qualidade inferior. E as operadoras presentes no setor terão que aumentar o preço dos pacotes, pois haverá inclusão de novos canais". Annenberg conta que 1% do faturamento bruto das operadoras vai para o Fundo de Universalização de Telecomunicações (Fust) com o objetivo de difundir os serviços de telecomunicações. "Esse fundo já tem uma arrecadação de R$ 6 bilhões, mas nenhum centavo foi aplicado na universalização das telecomunicações", afirma. "Uma proposta do setor é direcionar esse 1% para um fundo a ser criado voltado para os produtores independentes, o que geraria R$ 60 milhões ao ano." Segundo ele, diferentemente da TV aberta, gratuita, o assinante da TV por assinatura paga por uma programação diferenciada e muitas vezes por assuntos que lhe interessam. A inclusão obrigatória de conteúdo pode resultar em queda na qualidade, diz ele. O executivo comenta que, com a discussão sobre as cotas, outros pontos importantes da PL 29 passam desapercebidos, como a entrada das teles no setor de TV paga. "Pontos como esse também devem ser muito discutidos, pois é preciso determinar as regras para a entrada das teles no setor e também analisar a posição da Ancine, que deixa de ser um órgão fomentador da produção nacional de audiovisual para tornar-se um órgão regulador". Já a ABPITV argumenta que defende a existência de regras de fomento do conteúdo nacional, fundamental do ponto de vista econômico e cultural. "Queremos competição e direito ao trabalho" diz Leonardo Dourado, vice-presidente da entidade. O Grupo Abril apóia o projeto de lei por julgar que ele contribui para desenvolver a produção audiovisual do País, sobretudo a independente. André Mantovani, diretor geral do Grupo TV da Abril, destaca que a lei deve aumentar a concorrência, com a entrada de novos competidores no mercado, o que pode baratear o preço da TV por assinatura. "Somos favoráveis à entrada de empresas de capital estrangeiro para ampliar a competição, mas temos que garantir espaço para conteúdo nacional". Ele observa que a lei vai ampliar a oferta de TV por assinatura, que hoje é muito concentrada. "O sistema Net e Sky detém mais de 80% de participação. No ano passado, o acesso à banda larga praticamente dobrou, para 10 milhões de lares, e a TV paga, por causa do preço, passou de 4 milhões para 5 milhões". A Abril detém dois canais na TV paga: o Fiz, cujo conteúdo é 100% nacional, e o Ideal, com 87%. A empresa vai lançar outros três canais: dois neste ano e um no ano que vem. Segundo a diretora de desenvolvimento da Newco, programadora da Band, a emissora é a favor da lei porque, além de proteger e incentivar o conteúdo nacional, aumentará o acesso à informação. "Não adianta ter qualidade de conteúdo se não conseguir canais distribuição". Silvia diz que a lei resultará maior acesso a diversidade de informação, facilitando a obtenção da TV por assinatura à classe C. "Teremos mais oferta às operadoras e oportunidade de fazer pacotes mais acessíveis para a classe C, que representa 46% da população e é um segmento não atendido pela TV a cabo". Ela diz que por conta de traços culturais específicos, a TV a cabo precisa de conteúdo mais adequado aos brasileiros, feitos por conterrâneos. A Newco detém os canais BandNews, BandSports e Terra Viva, e está desenvolvendo outros dois canais, um deles de economia e negócios. A executiva comenta a dificuldade em conseguir espaço na TV por assinatura. "Produzimos material brasileiro para brasileiros e não conseguimos distribuição. Estamos em 30% do mercado, o resto está fechado para nós". A Globosat preferiu não se manifestar, alegando é signatária da posição defendida pela ABTA. (Gazeta Mercantil/Caderno C - Pág. 10)(Fernando Exman, Sheila Horvath, Gustavo Viana e Clayton Melo)

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