domingo, 23 de março de 2008

Por que cotas para a produção audiovisual brasileira? - parte 1

Muitos se colocam contra as cotas para a produção audiovisual brasileira, sob o argumento de que o livre funcionamento do mercado seria capaz de trazer aos brasileiros o melhor dessa produção – aquela competitiva com o produto audiovisual internacional. E que assim, os brasileiros teriam, automaticamente, a oportunidade de ver os melhores filmes e os programas de TV aqui produzidos.

Esse argumento, em defesa do mercado e da competição desmedida entre o produto audiovisual brasileiro e estrangeiro, mascara a própria mecânica de funcionamento dos mercados audiovisuais mundiais – um mercado peculiar, no qual o custo da produção de filmes e programas de TV pouco tem a ver com o preço de sua comercialização.

Ora, em mercados tradicionais, baseados em bens materiais – tais como navios, carros, etanol, maçãs, meias, computadores, máquinas etc. – o preço de comercialização de um produto é lastreado no seu custo. Caso o vendedor venda abaixo do seu custo de produção, estará incorrendo em prejuízo. Poderá fazê-lo, por certo, recorrendo a práticas de dumping por exemplo, mas não poderá faze-lo infinitamente. E mesmo tais práticas, de tentativa de eliminação de concorrentes, têm como parâmetro o custo de produção – na medida em que a concorrência é eliminada, volta-se a praticar o preço acima do custo, e pode-se aplicar uma margem de lucro maior, derivada da menor concorrência nesse mercado.

O preço de um filme ou programa de televisão tem pouco a ver com o seu custo de produção. Isso é mais claro em relação a produtos audiovisuais que viajam bem mundo afora – filmes, documentários e seriados. O preço de comercialização é decorrente do sucesso que o produto fez no seu mercado original – onde primeiro foi exibido, cinema ou TV – e, da correlação de forças na negociação entre vendedor e comprador. Entra em cena, nesse caso, o tamanho do mercado e quanto esse mercado pode pagar pelo produto.

Assim, é possível que um mesmo filme seja vendido (licenciado) para exibição em TV em um país como a Bolívia por um preço ínfimo (300 dólares, por exemplo) e seja vendido para um país desenvolvido por um valor muitas vezes maior (50 mil dólares, por exemplo).

O produto audiovisual estrangeiro chega ao Brasil tendo seus custos já recuperados nos mercados internacionais. Cobra-se aqui, pelo licenciamento para exibição/veiculação, um valor muito pequeno comparado ao seu custo de produção. E isso não significa dumping, significa apenas o funcionamento corrente dos mercados audiovisuais – assim como de outros mercados de bens culturais.

É por isso que a competição, nos mercados nacionais, entre o produto audiovisual nacional e o produto audiovisual estrangeiro, é absolutamente desigual. São razões ligadas ao mercado, mas trazem problemas que o livre jogo do mercado não dão conta de resolver. A principal dessas questões é: os países podem/querem ter uma produção audiovisual que faça frente às produtos audiovisuais estrangeiros?

Se a resposta à questão acima for positiva (por motivações culturais ou econômicas) impõe-se outra questão: como fazer a produção audiovisual acontecer, em quantidade e qualidade que transbordem em uma verdadeira indústria?

Voltarei ao assunto no próximo post.

Abs, João.

3 comentários:

Senhorita B. disse...

Oi, João,

Sou advogada como você e adoro televisão. Vou ler seus posts para ter uma noção mais profunda sobre o assunto, mas a idéia de cotas não me agrada. Acho a programação da tv paga muito rica, não vejo motivos para que ocorra nenhuma interferência nela. Tenho medo de que esse projeto(que, sim, confesso não conhecer de forma minuciosa) acabe transformando a tv paga em algo parecido com a tv aberta. Agradeço o seu comentário lá no blog, pois acredito que debater idéias é sempre a melhor alternativa.
Abraços,
Renata

Anônimo disse...

é engraçado que os politicos estão sempre a serviços de Lobbys e nunca a favor do Bem Comum para a população.

Se a preocupação fosse com o Consumidor, como voce disse em outro Post do Blog, que tal seria detalhar por Lei a obrigação do Consumidor poder montar a sua grade de Canais como ele quisesse independente da região que ele mora? Mas nao, está lá um lobby da Globo ou alguma produtora de Filmes/Seriados pra fazer uma Festança danada pros senhores parlamentares, porque quem paga imposto nao tem direito a voz efetiva nem bondade gratuita.

Ainda acho essa lei é o caminho da "ditadura democratica", na cara de pau que só os nossos politicos brasileiros têm. Mas cada um tem o seu ponto de vista, não posso deixar de concordar com o que voce levantou de acordo com os problemas do mercado as soluções "naturais" são bem limitados na pratica.

Estou linkando o seu Blog no meu post na Pesbrasil.org. Te dou a sugestao de registrar no Blogblogs.com.br que o seu blog será melhor divulgado na blogosfera.

O assunto é bem interessante e voce tem bons posts sobre ele, bem mais técnicos que o meu, que soa meio "sensacionalista" até.

João Bittencourt disse...

Cláudio, obrigado pela dica.